quinta-feira, 7 de junho de 2007

Especial - Um pouco de História...

O rock no Portugal dos 60

Por Mário Lopes - Blitz Durante um dos concursos de grupos de ‘yé-yé’ que ocorria em Lisboa foi feito um recenseamento das bandas existentes em Portugal. O resultado da pesquisa apontou para um número superior a trezentos grupos espalhados pelo país. De todos eles, passados trinta anos, são lembrados os Sheiks e o Quarteto 1111, por um lado, e os Pop Five Music Incorporated ou os Chinchilas, por outro. Nomes como os Ekos ou os Jets, que disputavam com os Sheiks o título de reis do ‘yé-yé’ nacional, os Titãs ou o Conjunto Mistério, seguidores dos ingleses The Shadows, e Victor Gomes ou Fernando Conde, roqueiros da primeira fase do rock'n'roll, popularizada por Elvis Presley ou Chuck Berry, perderam-se no tempo e são esporadicamente citados em ocasionais compilações ou em ‘revivals’ que reúnem a turma da época. O mundo musical português dos anos sessenta era um pequeno universo familiar em que se consumiam avidamente as novidades que surgiam do exterior - que passavam pelo pouco que a televisão mostrava, pelo que transmitiam alguns programas radiofônicos, como o ‘Em Órbita’ e a ‘23ª Hora’, e pelos discos que alguém trazia de Londres ou Paris. A falta de informação e de sintonia com o estrangeiro era tal que Filipe Mendes, antigo guitarrista e vocalista dos Chinchilas, recorda ter, na primeira vez que tomou contacto com a música de Jimi Hendrix, pensado estar ouvindo ‘um quinteto, com dois guitarristas e um vocalista’. Mesmo uma banda de estrondoso sucesso em todo o mundo, como o Cream de Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker, chegava apenas aos ouvidos ‘de uma elite, à qual tive a sorte de pertencer’, recorda.

Reflexos de uma revolução transformadora de hábitos e costumes, em efervescência nas ruas de Paris e na Swinging London em sessenta e oito, ou no ‘Summer of Love’ de São Francisco em 67, só se viriam a generalizar em Portugal após a Revolução de Abril - daí viver-se, "por imitação", como recorda Carlos Mendes, vocalista e guitarrista dos Sheiks, "a euforia coletiva e a histeria que o aparecimento das bandas gerava, mas não no dia-a-dia, porque eram fenômenos que estavam relacionados com o momento do espectáculo, depois dele tudo decorria normalmente. Mas, por exemplo, no nosso caso, quando havia um evento, lembro-me das meninas e dos rapazes aos gritos. Era uma imitação que, em termos de histeria, chegava a ser um pouco exagerada. Claro que visto do palco aquilo tinha a sua graça". Reações semelhantes provocava Victor Gomes e os seus Gatos Negros que, vindo de Moçambique com o título de ‘Supremo Roqueiro’, levava ao delírio as plateias lisboetas com os seus famosos saltos ‘à Tarzan’ no palco. Movimentos deste tipo não faziam contudo, parte da norma, estando circunscritos, em relação aos Sheiks, à grande popularidade que atingiram nos anos que se mantiveram na ativa, ou a alguns eventos esporádicos, como os tais concursos ‘yé-yé’, onde, por algumas horas, o público podia se imaginar em algum dos grandes festivais que começaram a surgir nos Estados Unidos ou na Inglaterra.

A dificuldade em organizar verdadeiros eventos do gênero ficou patente em 1969, quando, nos Salesianos, no Estoril, foi tentada a realização de um festival [ver fotografias], onde marcariam presença em palco, para além de bandas rock como o Quarteto 1111, os Chinchilas, ou os Sindikato, de cuja formação fazia parte Jorge Palma, e nomes importantes da música de intervenção, como Adriano Correia de Oliveira ou Zeca Afonso. Filipe Mendes recorda "um ambiente muito pesado, onde se pretendia apenas um festival com várias bandas e muita gente para assistir, mas ninguém chegou a tocar porque apareceu a polícia de choque e começou a bater nas pessoas". José Cid, um dos organizadores do espectáculo, considera que, apesar de tudo, houve um lado positivo, o fato de "ter passado em vários noticiários internacionais", recordando que "uma das cenas mais impressionantes foi a polícia batendo num grupo de turistas japoneses. Quando os policiais começaram a agredir os jovens, que estavam ali pacíficamente, numa de música, os japoneses puxaram das máquinas fotográficas e começaram a tirar fotografias; assim que a polícia viu aquilo ... "máquinas para cá!" Como não morreu ninguém, foram umas mordidelas e tal, acabou por ser bom ter sido notícia no estrangeiro".

A sobrevivência das bandas era garantida pelas festas universitárias e pelos bailes de formaturas em liceus, espaço onde imperavam as "versões para parzinho dançar". José Cid, um dos mentores do Quarteto 1111, não tem dúvidas quanto à impossibilidade de subsistir apenas pela criação própria, "a única hipótese era mesmo os concertos em universidades e em liceus, onde tínhamos que cantar quase tudo em inglês, porque a maioria dos temas que tínhamos não eram liberados (pela censura), e foi o que fizemos. Nunca tivemos carro, andávamos sempre num camião, de um lado para o outro, todos juntos. Aliás, o meu primeiro órgão, comprei-o quando fui para o Exército, em 1968, com o primeiro salário de alferes".

Outro dos problemas para uma emancipação criativa prendia-se ao material que havia na época à disposição. Carlos Mendes, questiona-se até "como era possível conseguirmos tocar, quando os equipamentos eram tão primários...". Concordando, Filipe Mendes recorda os primeiros concertos em que participou, "com a guitarra e os outros instrumentos, em cima do palco, ligados a rádios". As condições de gravação não eram também as melhores, dado o pouco tempo disponível – "ao vivo, todos juntos e no primeiro take", afirma o guitarrista dos Chinchilas -, e os gravadores com apenas dois canais à disposição, contraste chocante com a actualidade em que os 16, os 32 ou os 48 canais fazem parte do dia-a-dia de um estúdio normal.

Um dos melhores exemplos desta precariedade é a descrição, contida na "Enciclopédia da Música Ligeira Portuguesa", dada por Zeca do Rock, um dos primeiros músicos portugueses a gravar em disco o típico ‘yeah’ do rock'n'roll, acerca do modo como se processou, em 1961, a gravação de ‘Sansão Foi Enganado’: "o estúdio era uma sala centenária na Costa do Castelo. Quando passava um carro ou um avião, tinha que se interromper a gravação. O cantor e os músicos separados por um inofensivo biombo gravando tudo ao vivo. O estúdio e os músicos tinham sido contratados por duas horas apenas. Eu, que estava com amigdalite e com 39º de febre, vi o meu primeiro disco surgir de uma sessão de duas horas, iniciada às 10h num estúdio-mansarda".

Formar uma banda no Portugal daquele tempo era, mais que um meio de vida, "uma obsessão, tínhamos mesmo de fazê-lo, não havia outra hipótese", recorda José Cid, o que Filipe Mendes completa afirmando "não pensar, na época, em quaisquer objetivos, ensaiávamos todos os dias, durante horas, isto ao longo de vários anos; só isso já era genial".Além destas dificuldades, havia outra que impedia o estabelecimento de uma carreira duradoura e sistemática - o país estava envolvido com a Guerra Colonial, que levava os integrantes das bandas para o cumprimento de um serviço militar que reduzia o tempo disponível para dedicação à música. Os Beatnicks, banda de contornos psicodélicos formada em 1965 da qual faria parte, dez anos depois, Lena d'Água, foram o melhor exemplo de como o serviço militar era limitante. Assim, desde a fundação do grupo até ao 25 de Abril, a formação inicial sofre várias alterações, gravando apenas um EP, ‘Christine Goes to Town’, em 1971, que os leva a apresentar-se em Vilar de Mouros e nos ‘Festivales Bahia’, em Vigo.

No ano seguinte, uma vez mais, a ameaça de chamada para a Guerra Colonial leva alguns membros a emigrar para a Bélgica, obrigando os Beatnicks a mais uma das muitas reformulações ao longo da carreira. Filipe Mendes amplia o caso dos autores de ‘Christine Goes to Town’ à globalidade das bandas da época: "penso que o Exército boicotou mesmo as idéias e a continuidade dos grupos. Chegávamos aos vinte anos e éramos chamados; depois passavam três anos e já muito tinha acontecido, uns casavam, outros escolhiam outras carreiras e de um modo geral o serviço militar acabava com as bandas". Essa é também a explicação de José Cid para, o fato do Quarteto 1111 ter lançado um álbum em 1971, apesar de planejado desde 1966: "quase todos os membros estavam na tropa, por isso, todo o tempo livre que tínhamos era para gravar". Daí serem a maioria das edições dos grupos da altura singles ou EP's, aparecendo os álbuns em número muitíssimo reduzido.

Tendo o regime político em que Portugal vivia influência direta, através da censura, e indireta, na pouca abertura ao exterior, no trabalho desenvolvido pelos músicos poder-se-ia pensar que a ascenção de uma faceta ‘contestadora’ seria consequência lógica da arte em que se envolviam. Contudo, apenas o Quarteto 1111 afronta diretamente o regime, não se notando nas restantes bandas essa postura. Filipe Mendes lembra que "o simples fato de fazer rock, naquela época, era já algo de muito rebelde. As letras eram um complemento e um disfarce, falavam de paz, amor, mostravam aquilo que ia na alma de cada um". Carlos Mendes segue a mesma linha de raciocínio, afirmando não existir, por parte dos Sheiks, qualquer tipo de intervenção política, ressalvando, contudo ter a banda "uma irreverência própria, pelo simples fato de tocar rock, fosse ou não imitação do que se passava lá fora".

Do contato com os cantores de oposição não resulta, aliás, um envolvimento imediato com trabalho por eles desenvolvido, "lembro-me de num dos espectáculos que fizemos com o Zeca Afonso", recorda Carlos Mendes, "alguém me dizer: ‘não deixes de ouvir um cara que vem aí cantar, que é genial’". Ouvi e a idéia que tive é que era um homem que cantava bem e tocava mal guitarra. Sabia que existia música de resistência, mas o público não ligava porque não havia um movimento, era algo como, "ok, isso é genial, mas eu quero isto", algo mais forte, uma bateria, as guitarras elétricas... Acho que a importância das coisas não se limita ao momento em que, por exemplo, o Zeca emitia aquela voz e claro que depois não demorei muito a reconhecer o brilhantismo do que ele fazia". Na opinião do vocalista dos Sheiks, a sua banda funcionava "mais como chamariz para cativar o público mais jovem, enquanto o o Zeca, o Adriano ou outros expunham o assunto e mandavam os seus recados".

Acima de tudo, os pioneiros do rock em Portugal sonhavam com o colorido da Inglaterra ou dos Estados Unidos que era transmitido em preto e branco pela mídia local, tentando transportá-lo para o ‘cinzentismo’ do país em que viviam. Os Objectivo, projecto nascido das cinzas dos Ekos - autores, em 1965, de ‘Esquece’, versão de ‘Hold On’ de PJ Proby e um dos sucessos desse ano - chegam a inverter essa mecânica, acolhendo, em tempos diferentes, vários músicos britânicos na sua formação. De todos eles, só Mike Seargent acaba por se estabelecer definitivamente, pois segundo Mário Guia, baterista original e mais tarde empresário do grupo, "eles vinham para cá, mas depois chateavam-se porque viam que o meio musical em Portugal era quase inexistente e nem podiam viver da música".

Fruto de tudo isto surge a tendência para definir o rock em Portugal como algo nascido em pleno "boom" do início dos anos 80 - José Cid não tem dúvidas ao afirmar que até essa altura "o rock português foi um fenômeno marginal" - passando por cima de uma história que já contava à época quase vinte anos de existência. Filipe Mendes, em relação aos reflexos que reconhece na produção musical portuguesa dos anos 60, diz ser mais marcante "os sentimentos de cada um ao ver os espectáculos ao vivo, ao ouvir os discos", isto porque "não há dúvida que a divulgação era muito limitada e só chegava a alguns, que tinham de absorver o que ouviam, espalhar a filosofia e aprender alguma coisa".

Carlos Mendes também aponta reflexos extra-musicais para a importância desses tempos em que o rock começava, lentamente, a dar os primeiros passos: "soubemos, guiados umas vezes, outras por nós próprios, outras ajudados, dar vida a esta coisa e penso que os jovens da nossa época aproveitaram muito a nossa presença para poderem gritar, exigir. Acabou-se com a ideia que tocar pelos bares era coisa de vagabundos, gente marginal. A esse nível contribuímos para uma mudança profunda. Tiveram que nos ouvir, com as nossas irreverências, com os cabelos compridos, com as calças apertadinhas e com as botas de salto alto".

Na verdade, se pode ser questionada a validade universal do que foi criado na época, - apesar de, pegando num texto de António Pires, jornalista do BLITZ (NR – jornal de Portugal), ser "quase um milagre", dados os condicionamentos existentes, "que tenha havido, sequer, música gravada em Portugal que tivesse alguma coisa a ver com o rock, o pop e por aí fora" -, não é possível eliminar de um filme quem dele é parte integrante, mesmo se surgisse apenas nas apresentações. O que não é o caso.

Os primeiros passos do rock portuguêsDiário de Notícias, 10 de Maio de 2004Mesmo sob o domínio da música ligeira e do fado sobre os espaços de edição e divulgação radiofónica, o Portugal de 60 não ficou alheio à entrada em cena de uma nova música: o rock'n'roll. Apesar do «filtro» com que se acolhiam as novidades vindas de fora, os nomes maiores da cena britânica e americana conheceram edição em disco entre nós. Não foi preciso esperar muito para que a assimilação destas pistas de agitação e novidade se traduzisse no aparecimento de artistas e bandas locais, os primeiros dos quais a reflectir essencialmente processos de decalque sobre os originais importados. Depois da alvorada com os Babies em finais de 50, floresceram, em inícios e meados de 60, os concursos e matinées ao som do novo yé-yé, revelando nomes como os de Daniel Bacelar, Vítor Gomes e seus Gatos Negros, os Conchas e, mais tarde, projectos com uma linha musical mais elaborada como o Conjunto Académico João Paulo, os Ekos e os Sheiks, estes últimos os mais bem sucedidos da sua geração.

É com o final de 60, e a digestão das revoluções musicais da época, que chegam os primeiros projectos verdadeiramente marcantes do rock português. Entre 1969 e 70 estreiam-se em álbum nomes como a Filarmónica Fraude, Pop Five Music Incorporated e o Quarteto 1111. Estes últimos, que tinham conhecido já o sucesso com A Lenda D'El Rei D. Sebastião, ousaram ser políticos no seu álbum de estreia, valendo-lhes o corte da censura em algumas faixas do disco. De inícios de 70 data ainda a entrada em cena de nomes como os Objectivo, Petrus Castrus ou Smoog. Todavia, as regras da época traçavam a estes nomes uma vida essencialmente marginal.

Os gajos também embarcaram no ié ié ié Texto de José TelesDurante a ditadura Salazar, Portugal passou por um longo período de isolamento, o país tornou-se uma espécie de Albânia de direita. A censura exercia-se, como diriam os portugueses, de forma tão bestial, que até o juvenil rock dos anos 50 praticamente não teve sucedâneo luso. Nos anos 60, com a eclosão do fenômeno The Beatles, nada pode evitar que conjuntos de rock começassem a surgir semi-clandestinos, nos ginásios e liceus. A música que faziam foi batizada de ié ié (por conta dos yeah yeah yeah dos Beatles). O ié ié lusitano, então obscuro até mesmo em Portugal, passou a ser agora mais conhecido, com o lançamento, pela Movieplay, do álbum Biografia do Pop/Rock, a primeira compilação do rock à portuguesa anos 60. No histórico CD duplo (que merecia uma edição brasileira), estão os principais conjuntos que tiraram um pouco da naftalina da música da terrinha, e abriram caminho para o competente rock português actual.

No entanto, obedecendo a lógica extremamente cartesiana do país, foram incluídos grupos dos anos 80, sem afinidades estéticas com o pop sessentista. Mesmo fora do contexto, estas inclusões inusitadas acabam sendo importantes, para que se conheça mais uma música que, com exceção de alguns fados de Amália Rodrigues, e a pieguice de Francisco José, nos anos 60, nunca foi muito divulgada no Brasil.

Assim são válidas as faixas, como a versão tecno de Page One, do Pop Five Music Inc, que tem entre os músicos Paulo Godinho, irmão de Sérgio Godinho, ídolo da MPP (Música Popular Portuguesa) ou Festa, com O Corpo Diplomático, grupo formado em 79, surgido de Os Faíscas, e embrião do Madredeus.

A excepção ao bloqueio cultural salarista era a região do Algarve, até hoje o point de veraneio preferido dos ingleses (foi no Algarve, que Paul McCartney, por exemplo, escreveu a letra de Yesterday). Foi também lá que José Luís, um dos integrantes do Ekos, recebeu um conselho de Cliff Richard, pioneiro do rock britânico: "Disse-nos para cantarmos em português, porque se queríamos conquistar o mundo tínhamos que agradar primeiro ao público nacional". Na época, a maioria dos conjuntos lusos achavam que pop só se podia cantar em inglês.

Garimpagem"O disco é um meticuloso trabalho arqueológico, já que muitos dos conjuntos não passaram do compacto de estréia, enquanto outros nunca tocaram fora dos ginásios. As poucas emissoras de rádio que fizeram programas com iê iê iê português não se importaram em preservar os tapes. Em alguns casos, é mais fácil encontrar o acetato da gravação original do que uma cópia de certos discos.

Sansão foi enganado, com Zeca do Rock, nome artístico de José das Dores, é tido como o primeiro ié ié ié português gravado. O único disco de Zeca do Rock, é considerado um dos mais raros vinis da música portuguesa moderna. O curioso em alguns dos fonogramas é a semelhança da pegada da guitarra ritmo de alguns grupos, com a do iê iê Iê brasileiro. Esquece (versão de Hold On, de P.J Proby) com o Ekos, não fosse o sotaque, poderia facilmente ser confundido com algum sucesso da Jovem Guarda.

No entanto, nem todos conjuntos seguiam o padrão juvenil. Os Jets, por exemplo, em seu único EP de 67, têm uma sonoridade que nada fica a dever ao rock psicadélico que se fazia naquele ano na Inglaterra. Eles eram o mais bem aparelhado conjunto do rock português dos 60. Outro conjunto com uma concepção musical moderníssima, foi os Sheiks, o único de sua geração a conhecer um relativo sucesso na França e na própria Inglaterra. Seu mais conhecido hit, Missin' You, foi bastante tocado no Brasil (o The Pop's gravou uma versão instrumental dele). Se Zeca do Rock deu o pontapé inicial em estúdio, um dos mais antigos músicos pop luso é Pedro Osório, que vem dos anos 50, e está na coletânea com "Era um biquini pequenino às bolas amarelas" (a mesma Biquini de Bolinhas Amarelinhas, cantada por Sérgio Murilo). Lá como cá, a ingenuidade campeava. E tome baladinhas e roquinhos inofensivos. Daniel Bacelar e os Gentlemen, em "Olhando para o céu", lembra no som e nas letras o Roberto Carlos da primeira fase, com um surf, que é a única faixa do album em que o ié ié aparece explícito no corinho.Os dias da músicaCrédito: Os dias da músicaHoje queria falar de um uma coisa que me faz sorrir sempre: ver alguém de uma geração mais antiga que a da juventude, falar do alto do estatuto que a idade lhe concede, e afirmar que “dantes não era assim”, “que o respeito era outro”, e assim por diante, fazendo o discurso da “geração rasca”, com o qual nunca concordei.

Por vezes dá a impressão que a juventude só agora é indisciplinada, contestatária, por vezes até, desrespeitosa. Ora tal não corresponde completamente à verdade, embora, é verdade, se tenham agora chegado a extremos que nunca nós, na nossa pretensa irrreverência, ousaríamos sequer sonhar. Porque hoje deixo-vos um exemplo do que se passava no tempo em que decorreu a minha “golden era” e que pode dar uma imagem de como algumas coisas funcionavam.

É verdade que, na altura, ainda não havia drogas, o que, se era muito positivo, é ao mesmo tempo um motivo menos para desculpar os disparates que se faziam. Mas vamos ao assunto.

Na altura, os role-models do jovem lisboeta eram os grupos musicais ingleses, e assim as modas por eles lançadas, eram seguidas quase com um rigor religioso. Qualquer coisa parecida com o que se vendia em Carnaby Street ou em Portobello Road, tinha sucesso garantido. Foram as calças boca-de-sino, as camisas de colarinho alto de 2 botões, os pull-overs muito curtos, acima do umbigo. E ainda me lembro do escândalo que fizeram as primeiras camisas floridas para homem, vendidas nos Porfirios. Mas houve uma moda lançada, penso que pelos Beatles, de todo o grupo se vestir de igual. E essa foi uma onda que logo foi seguida pelos agrupamentos portugueses. Nessa altura, o Vasco Morgado, lembrou-se de promover concursos de grupos Yé-Yé. Assim mesmo, eram assim chamados, e não me perguntem porquê, porque não sei, a não ser que fosse pela recorrência da palavra yeah nas letras das canções inglesas de então. Pois é, muito antes do Rock-Rendez-Vous, houve os concursos do Monumental. E então era ver chegar de todo o Portugal, conjuntos de rapazes, na esmagadora maioria, cheios de boa vontade, mas com talento nulo para a música, afim de enfrentarem a multidão exigente que se sentava nas salas do cine-teatro. E digo-vos, era preciso muita coragem. A malta queria versões das canções que ouvia tocadas pelos Beatles, Stones ou Searchers, e não admitia desafinações ou fugas à melodia. E quando assim era, os apupos nem deixavam ouvir nada.

Mas isso começou a não chegar. Então eles vinham todos tão aprumadinhos, vestidinhos de igual e saíam de lá na mesma, só com os ouvidos cheios de insultos? Ná, havia que ir mais longe.E foi assim que numa tarde de sábado (as eliminatórias eram nos fins-de-semana), alguém se lembrou de levar uns tomates bem maduros, que foram arremessados certeiramente ao primeiro grupo que prestou provas. E a partir desse dia, como a malta achou piada à iniciativa, já ninguém ia para os espectáculos sem as algibeiras cheias de tomates e ovos.

Digo-vos que cheguei a ter pena de alguns dos rapazes a saírem do palco, depois de meia dúzia de notas tocadas, chorosos e a olharem para os fatinhos feitos para a ocasião, e que só voltariam a servir depois de duas ou três limpezas. E lá se iam eles, feridos na alma e na dignidade. Compaixão por parte do auditório? Nem sinal, asseguro eu. No fim, a alegria era grande, e o dinheiro gasto era dado por bem empregue, mesmo que não se tivesse ouvido música nenhuma.

Uma nota para dizer, que os incidentes tomaram tal proporção que a polícia chegou a ser chamada, mas pouco podia fazer, porque era difícil localizar quem atirava o que fosse e a solidariedade era grande. Bufos, não havia. Uma vez os polícias, já exasperados por mais uma vez verem a missão gorada, mandaram levantar uma fila inteira: um dos “espectadores” tinha debaixo da respectiva cadeira um saco de viagem de razoável tamanho, ainda meio de tomates, ovos, e até batatas.

Agora reparo, que talvez a nossa intransigência, tivesse levado a que algum promissor músico a desistir, levado por aquelas reacções diria que quase irracionais.

Contudo, no meio da agitação ainda apareceram uns grupos razoáveis, mas esses já tinham estatuto, eram lisboetas ou do Porto, e eram habituais nas festas dos liceus. E esses eram ouvidos com muito mais respeito. Lembro-me dos Chinchilas, dos Sheiks (estes com um estatuto já demasiado elevado para irem aos concursos), do grupo do Eduardo Nascimento (que tinha um vozeirão e cantava bem, desde que fosse em inglês) ou o Quinteto Académico+2, que tinha uma versão do Judy in Disguise, do John Fred and his Playboy Band, que chegou a ser mais divulgada que a original. E não havia ninguém que não tocasse o Winchester Cathedral, dos New Vaudeville Band. Acho que durante dois anos foi das músicas mais tocadas em todas as boites, da Lareira ao Pote. Do Forte Velho a Louisiana.

3 comentários:

akired disse...

Eheh também recebi um e-mail desses gajos para publicar artigos... estão iguaizinhos aos teus posts, pelos vistos também te mandaram...

Não te tenho visto lá pela Blitz, nem pelo 13ª Arte, nem por blog nenhum... loll... Daqui a uns dias também vão ter uma surpresa no 13ª Arte... ;)

Abraço!
Akired

akired disse...

Eu também o vou publicar, se calhar... Por falar em colaboradores, também já arranjei dois, um especialmente dedicado a arranjar bandas de rock e de metal (não há nada que ele não conheça), outro, que arranja montes de entrevistas, é jornalista estudante. Eu como Manager e como fundador de blog, dou sempre o meu principal voto em todo o trabalho necessário para o bom funcionamento do 13ª Arte.

PS: Um áparte... o que andas a fazer na Blitz, é que a Blitz anda a fartar de te dar prestígio!! loll...

Abraço,
Akired

Pedro Gonçalves disse...

Não sei, mas é verdade. Ainda ontem deram-me 5 pontos sem eu fazer nada, e já não é a primeira vez, não sei.
Acho que já me deram 10 pontos em 2 artigos.
Paz